A entrevista que você está prestes a ler foi realizada no dia 18/12/2015, porém, publicada somente em 09/03/2016. O motivo de tanta demora eu explico a seguir: realmente, nenhum texto de apresentação que escrevi neste período sobre Alex Periscinoto era bom o suficiente para definir corretamente sua importância à publicidade brasileira e, principalmente, para a minha carreira e de tantos colegas de trabalho. Não queria cometer gafes. O “P” da Almap, como você já deve saber, mudou a história da propaganda. Enfim, sem querer tomar mais o seu tempo e atrasar a leitura, aproveito este espaço para agradecer publicamente Nélson Machado, pelo contato, e Alex Periscinoto, pela participação no blog.
Dica: leia com atenção cada resposta, da caixa alta ao ponto final. Creio que há muito para aprender nestas perguntas que preparei com tanto carinho. Boa leitura e boa aula.
1. Conte um pouco sobre seu começo na profissão. Foram tempos difíceis do início até a Almap?
Alex: Claro que eu tive a minha corrida de obstáculos que, aliás, é algo que nunca termina. O “pouco” que vou te contar é quase demais pra uma entrevista, mas achei adequado não economizar fatos. Portanto, é um “pouco-muito” da minha vida. Pra agilizar a leitura da 1a. respostas, criei intertítulos. Vamos lá.
O começo do começo.
A minha vida profissional começou nos anos 50, na house agency da grande loja de departamentos que existia em S. Paulo, em frente ao Teatro Municipal, chamada “Mappin”. Era uma loja imensa, classuda, sofisticada e que se destacava publicitariamente por ser uma poderosa anunciante seja como patrocinadora do noticiário de maior audiência da tv e intensa veiculação de comerciais, seja em spots de rádio, anúncios de página inteira em jornais, etc. Eu era o diretor-de-criação do Mappin. E o meu desafio diário era fazer um varejo de alta qualidade com anúncios limpos e sempre com um toque de classe e charme porque o Mappin também atingia a alta classe média destacando-se, inclusive, como uma espécie de fashion week permanente, lançando moda e tendências.
“Ohrbach’s” , Nova Iorque.
A minha grande referência criativa era o bom gosto da requintada loja de departamentos de NY, a “Ohrbach’s”. Seus anúncios eram aulas de direção-de-arte e texto com layouts sofisticados, limpos, impactantes, bem humorados tanto nos visuais como nos títulos deliciosamente bem sacados. Eu recortava esses anúncios do “New York Times” de domingo (eu ia na livraria “La Selva” do aeroporto de Congonhas comprar) e guardava tudo carinhosamente como fontes inspiradoras. Um dia, já cansado de ficar babando à distância, tomei uma atitude. Resolvi beber direto na fonte. E, equipado com o meu inglês aprendido na marra como autodidata, me mandei pra NY a fim de absorver tudo e mais um pouco da “Ohrbach’s” e de sua genial agência.
A mitológica DDB
Fui maravilhosamente bem recebido na “Ohrbach’s” talvez até pelo insólito: um publicitário sul americano atrevidamente enfiado no ninho de cobras em NY pra observar, assimilar e levar de volta pro Brasil os mais criativos conceitos de comunicação não só do varejo mas, principalmente, dos valores, métodos e inteligência embarcados na agência que a atendia: nada menos do que a mitológica DDB. Vivendo a rotina da agência ganhei a sorte grande de me tornar amigo pessoal não só do “B” da agência – o lendário redator Bill Bernbach, como também de seu incrível time de monstros sagrados como Bob Gage, Helmut Krone, Bob Levenson.
Nasce a revolucionária Almap.
Pra quem vinha de um ambiente profissional já com data vencida, ver como trabalhava a DDB pra mim foi como receber uma bomba de Hiroshima na cabeça. Um choque cultural devastador ao ver como o Bill Bernbach e seu time produziam suas campanhas. Os caras trabalhavam em duplas, coisa impensável pra mim onde no Brasil o redator ficava numa sala e o “ilustrador” (nem tinha o conceito “diretor-de-arte”) noutra sala, completamente isolados. Na DDB era um olhando pro outro, compartilhando a mesa, chutando ideias, tirando sarro, criticando, xingando, metendo os pés nas mesas, espetando rascunhos de layouts nas paredes, enfim, uma zona, uma loucura com método e alta produtividade. Voltei ao Brasil eletrificado e ansioso por colocar em prática tudo o que eu tinha visto. Comecei a fazer isso no Mappin. Mas a coisa pegou pra valer um tempinho mais à frente quando, a convite do José de Alcântara Machado (brilhante business man) fiz um frila pra tentar conquistar a conta de uma fábrica de automóveis que estava chegando ao Brasil: a Volkswagen. Com todo aquele conteúdo DDB tinindo na minha cabeça, ganhamos a concorrência de braçada. E com uma agência zero km em mãos, virei a mesa. Desrespeitei construtivamente o formato obsoleto brasileiro de se fazer publicidade. Implantei aqui o sistema das duplas acrescentando um diretor-de-criação pra refinar a qualidade das peças e também avaliar sua eficácia mercadológica pois a criatividade publicitária não é um fim em si mesma mas um meio pra se obter resultados. Mas havia dificuldades pois como tudo era inovador, eu não encontrava redatores e diretores-de-arte prontos pro novo formato. Tive que garimpar, treinar, aculturar novos talentos não só pra criação como também pro planejamento, mídia e até pra produção de comerciais (um dos nomes que fez história na Almap foi o meu querido amigo Boni). A Almap cresceu, ganhou musculatura e virou referência de modelo criativo estimulando outras agências a se espelharem nela. Todo mercado brasileiro ganhou com isso. A nossa publicidade superou o provincianismo, aprendeu a linguagem internacional, impôs respeito, virou o bicho-papão dos festivais ganhando prêmios e mais prêmios pelo mundo.
2. “Mais vale o que se aprende que o que te ensinam”. Na publicidade, a experiência ainda é a melhor escola?
Alex: A melhor escola é a que soma tudo que se vivencia – seja vindo dos professores, pais, amigos e, principalmente, o que se obtém da experiência – própria ou alheia, pois é aí que se aprende que, na prática, a teoria é outra. O aprendizado de um publicitário (principalmente de criação) tem que ser permanente, dia e noite, sem preguiça, incluindo sábados, domingos e feriados. A cabeça do cara de criação tem que funcionar como se fosse uma máquina maluca somando drone, satélite e radar tudo junto pra saber captar e interpretar comportamentos sociais, linguagens, gestos, hábitos, enfim, conhecer a alma do consumidor. Quanto mais rico for esse arquivo de conteúdos, mais vivo e antenado será o resultado criativo pois campanha publicitária que funciona é a que gera empatia e até vira bordão de sucesso popular como aconteceu anos atrás (que pena, nunca mais isso se repetiu) como “Não é uma Brastemp” (agência Talent), “O primeiro sutiã ninguém esquece” (DPZ), “Nós viemos aqui pra beber ou conversar?” (Almap pra cerveja Antarctica).
3. Em uma de suas publicações, você descreve o quão “difícil é sacar o óbvio”. Existe uma maneira, uma espécie de treino, para que criativos possam encontrar raciocínios óbvios com maior facilidade?
Alex: Descobrir o óbvio é um dos mais fascinantes desafios da criação publicitária. Não existe manual pra saber onde ele está escondido. Aliás, ele nunca está escondido, está sempre explícito tirando um sarro da gente que não o vê debaixo dos nossos respeitáveis narizes. E o mais chato é que só os outros descobrem. Um exemplo de anúncio óbvio que posso ilustrar é um institucional histórico e super-premiado que a Almap criou pra Volkswagen (veja anexado). Esse anúncio flagrou uma obviedade escandalosa bem na palma das nossas mãos: descobriu que temos nas tais “linhas da vida” nada menos do que um “V” e um “W”. E que com um simples círculo rabiscado no entorno delas aparece a logomarca Volkswagen. Aí fica fácil ver pois o óbvio só vira óbvio depois que a gente descobre o “mardito”.
4. Qual anúncio/campanha você acha genial por ser óbvia? Poderia citar um exemplo?
Alex: Eu não diria “genial” porque esse nível não vem sendo alcançado por ninguém, aqui e lá fora, há muito tempo. Mas o anúncio da mão Volkswagen da resposta anterior é um bom exemplo.
5. O que realmente importa na hora de avaliar a pasta de um candidato a estágio?
Alex: Ver se ele tem conteúdo. Nesse estágio inicial da profissão sacar se o candidato tem bagagem de cultura, informação, etc, é até mais importante do que o domínio da forma, coisa que com a prática ele vai aprender. Não quero dizer que o candidato tenha que ser um “inteléquitual”, ou enciclopédico ou um Google ambulante. Mas é decisivo que ele tenha (como já disse de outra forma ali atrás), uma visão widescreen de tudo, sabendo observar como se comportam, como falam, como se emocionam, como escolhem, como criticam, como agem e reagem as pessoas que, individual e coletivamente, formam o tecido social onde a publicidade atuará. Esse radar é o captador-mestre da matéria-prima que a dupla criativa deverá saber lapidar artesanalmente com talento, fazendo nascer peças publicitárias convincentes porque souberam alinhar sua narrativa àquela do mercado. Inteligência e mente a mil são exigências básicas.
Alex: Um parêntese sobre “estágio”. A “Almapinha” .
Alex: Tomo a liberdade de esticar um pouco o assunto da resposta anterior pra dizer que eu sempre me preocupei com a busca dos novos talentos que batem à porta das agências pra fazer estágio, pois tenho como regra de vida uma frase que eu inventei pro meu próprio consumo interno: o que não se renova, deteriora. E, nos anos 90, havia um pecado mortal praticado generalizadamente pelas agências: não deixavam o sol entrar, não abriam as portas pra oxigenar os times criativos. Negavam chances aos estagiários com o raciocínio simploriamente cruel de que, por não terem experiência, não seriam imediatamente produtivos. Óbvio que não conseguiriam experiência pois as portas das agências fechavam-se criando vicioso (aliás, “círculo viciado”) que se retroalimentava pisoteando o nascedouro de novos talentos. Chutei de bico pra romper esse labirinto. Inventei a “Almapinha”, uma espécie de agência interna encravada no coração da criação, onde os futuros redatores e diretores-de-arte, participavam, sem teorizações, da vida real da criação subordinados às duplas experientes que lhes orientavam com os mesmos briefings sob a mesma pressão de timing e performance. Além de revelar novos talentos, a Almapinha trazia uma vantagem subjacente a serviço da felicidade dos clientes, aliás de seus inesgotáveis “sobrinhos” que também tinham uma chance legítima de estagiar, mas sem colher de chá pois seus currículos escolares eram avaliados com o mesmo cuidado. O fato é que a “Almapinha” entrou na história emocional de muitos criativos que, ao final do estágio, saíam tinindo obtendo chances reais de trabalho pois tinham em mãos um portfólio básico com a grife Almap que, sem modéstia à parte, era e continua sendo o objeto de desejo de todo cara de criação.
6. Qual conselho você escutou no começo da carreira e acredita ser útil até os dias de hoje?
Alex: É aquele que o talento intuitivo do meu pai sempre repetia na minha época de garoto, e que chupei pra dar título ao meu livro: “Mais vale o que se aprende do que aquilo que te ensinam”.
7. Criativo, cliente ou consumidor. Quem mais mudou nos últimos anos?
Alex: Os três mudaram, cada um a seu jeito. O consumidor evoluiu espetacularmente ampliando a consciência de seus direitos e o olhar crítico sobre o conteúdo e promessas publicitárias levando as agências e anunciantes a virarem a página dos trololós com meias verdades ou mentiras inteiras. Neste aspecto, aliás, o único tipo de propaganda que continua praticando acintosamente a lorota, pra constrangimento de todos que trabalham com seriedade e ética na comunicação, é a eleitoral. Escrevi sobre isso no meu blog (post “Conar pra propaganda política?”) lançando a ideia de termos, a exemplo do Conar publicitário, o “Conar Político”, uma instituição que defenderia o público contra os ilusionismos das campanhas políticas, podendo corrigir e até tirar do ar as peças eleitorais com promessas impagáves, nos dois sentidos. Retomando e concluindo a resposta, digo que o cliente também mudou em decorrência da agressiva competitividade econômica e a criatividade publicitária também mudou de cara. Não ficou mais bonita, nem mais criativa, nem mais jovem. Parece que todos combinaram e, religiosamente, fizeram voto de pobreza criativa. É fácil detectar isso nos layouts congestionados de fontes e texturas mais coloridas e barulhentas que a banda dos fuzileiros navais, títulos e textos parecendo meras transcrições de briefings e comerciais que pretendem serem engraçados com gags manjadas. Será que dias mais criativos virão? Aposto que sim. Talento pra isso temos de montão.
8. Se você estivesse começando na profissão hoje o que perguntaria para o Alex Periscinoto, publicitário que mudou a criação das agências brasileiras, e qual seria sua resposta?
Alex: Perguntaria: Alex, o que você quer ser quando crescer na publicidade? Responderia: quero virar a criação de cabeça pra baixo, quero descobrir novos talentos, quero fazer a publicidade brasileira ganhar linguagem internacional, quero ganhar prêmios que ninguém ganhou antes, quero criar uma agência que seja uma grife de talento pra todo criativo, quero ser o primeiro publicitário brasileiro como jurado em Cannes, quero presidir uma Bienal, quero vencer o desafio de esculpir grandes cavalos em madeira, quero escrever um best seller, quero fazer esculturas com ferro velho, quero ter um Fusca zero km, quero curtir minha super bike de competição aos domingos pelas avenidas de São Paulo. Graças ao bom Deus, consegui tudo o que sonhei. Só desisti de continuar pedalando minha magrela pelo trânsito insano da cidade porque não tem coisa mais óbvia e anticriativa do que ser atropelado em São Paulo.
Alex Periscinoto
Anúncio citado durante a entrevista:
Ficha técnica:
Criação e texto: Nélson Machado.
Diretor-de-Arte: Omar Guedes.
Fotógrafo: Sergio Paolino.
Texto:
“A linha do bom senso. Desde quando o homem civilizado começou a andar mais sobre quatros rodas do que sobre dois pés, muitas marcas de automóveis passaram em sua vida. Poucas ficaram. E só uma conseguiu atravessar os tempos com a economia de sempre, a qualidade de sempre.
Hoje, neste exato momento, milhões de pessoas em todo mundo estão dirigindo essa mesma marca. E se tanta gente com tantos hábitos, gostos, crenças, ideologias, e exigências diferentes de repente tem a mesma opinião, é porque uma razão muito forte levou a esse ponto comum: a própria razão. A lógica. O bom senso.”
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