Redatora por formação, Adriana Cury começou na grande MPM. Desde então, já foi presidente da McCann Erickson, atuou como VP Nacional de Criação na Ogilvy, integrando o conselho global, e hoje é VP de criação da nova/sb.
Adriana é uma das mais premiadas publicitárias brasileiras, a lista de feitos é grande: leões em Cannes, edições como jurada, Caboré, Colunistas, eleita uma das mulheres mais influentes do Brasil segundo a Forbes. Pois é, Adriana fez e faz história na propaganda. E a gente está fazendo história aqui no blog conversando com ela. Uma honra.
Aproveitem. Boa leitura e boa aula.
1. Conte um pouco sobre os seus primeiros anos na profissão. Você começou como redatora na MPM, certo?
Sempre gostei de escrever. Lia muito desde pequena, minha mãe era professora de línguas neolatinas e lotava minha prateleira de livros. Sempre quis trabalhar com publicidade, essa coisa de criar, ter ideias mirabolantes pra um produto me fascinava. Estava cursando a FAAP quando soube que a MPM, na época a maior e uma das mais criativas agências do Brasil, estava abrindo uma vaga para revisor.
Minha mãe tinha acabado de falecer, eu estava deprê. Na época, tinha um namorado que trabalhava na área e ele me estimulou muito a ir até a MPM conversar e “arrumar outras coisas pra minha cabeça”. Como eu dominava o português não seria difícil conseguir a vaga. E, melhor, sem começar como estagiária, o que, na época, não era lá muito valorizado.
Fui e acabaram me contratando na hora. No dia seguinte minha grande escola começou.
A MPM reunia muitos criativos premiados do mercado. Eram artistas, intelectuais, pessoas extremamente interessantes.
Tudo o que eles faziam passava por mim na revisão. E, além de revisar, eu fazia o melhor: aprendia.
Tinha criado uma dupla informal com o Luiz Nogueira, que foi VP de Criação na McCann Rio, mas que na época trabalhava no estúdio da MPM. E pedíamos pro nosso querido Caco (tráfego) passar pequenos jobs pra nós.
Se de um lado minha vida estava cheia de novos desafios, também estava lotada de tarefas. Além disso, eu havia passado a faculdade pro período da noite pra poder fazer um estágio pela manhã com os criativos da agência. Meu trabalho na revisão começava após o almoço e, se precisasse, invadia a noite.
Bem, em 6 ou 7 meses de loucura, decidiram nos promover como a primeira dupla jr da agência. Festa na laje kkk.
Não paramos mais.
Na MPM ganhei Grand Prix no FIAP com uma campanha pra Aliança Francesa, o que mereceu até um artigo do saudoso Lourenço Diaféria na Folha de São Paulo.
Comecei a receber propostas e aí…vida que segue.
2. A Colucci foi uma agência que marcou época, independente e com grandes trabalhos. No período em que esteve lá, você figurou entre as 10 profissionais mais premiadas do mercado brasileiro e também foi pela primeira vez jurada em Cannes. Fale um pouco mais sobre a Colucci, os trabalhos e a importância da agência para o mercado.
A Colucci realmente foi um marco. Agência 100% brasileira, trabalhava com grandes clientes e rompeu paradigmas com a campanha pro Banco Bamerindus: “Gente que Faz”, em formato de branded content, absolutamente inovador pra época.
Eram histórias e depoimentos de pessoas que conseguiam dar a volta por cima em suas vidas apesar das grandes dificuldades. Isso era contado em filmes de 2 ou 3 minutos em horário nobre da Globo, o que também foi outra quebra de paradigma.
Trabalhar com o Oscar Colucci me proporcionou uma das melhores experiências na carreira. Além de um profissional incrível e uma pessoa humana e divertida, Oscar sempre apoiou e estimulou muito meu trabalho. Dessa forma fomos criando campanhas que traziam resultados pros clientes e prêmios pra agência. O volume de peças que inscrevíamos nos festivais era pequeno em comparação ao das outras agências, mas o índice de acerto era alto. O trabalho começou a se destacar, o que me valeu o convite para jurada no Festival de Cannes na categoria print. Isso também foi surpreendente por algumas razões: naquela época, eram muito poucas as mulheres criativas brasileiras escolhidas para compor um júri em Cannes. Na grande maioria dos casos, os escolhidos eram sempre profissionais de agências grandes ou multinacionais, com um volume alto de inscrições, o que não era o caso da Colucci, como já falei.
A experiência como jurada em Cannes foi incrível. Eram 25 jurados: 24 homens e eu como única mulher. Mas fui ouvida e muito respeitada por todos. Consegui criar um ambiente muito gostoso. Comecei convidando alguns jurados pra jantar. Isso foi aproximando o grupo e, ao final da semana de julgamento, a mesa era enorme, todos queriam jantar juntos. Ficamos amigos. Entre eles, estava o Alex Bogusky, da Crispin, Porter, ainda não tão famoso, mas muito simpático e afável. Meu par brasileiro nesse júri foi o Julio Andery e fizemos um trabalho muito bom. O Brasil foi o país mais premiado em print naquele ano.
3. Em 2005 você foi considerada uma das “Mulheres mais Influentes do Brasil” nas áreas de Marketing e Publicidade pela Revista Forbes. Hoje, representa o Movimento Círculo de Criativas, iniciativa internacional que reúne profissionais de criação para fortalecer e valorizar o talento feminino na propaganda. Comente mais sobre este projeto.
Fui indicada 2 vezes como uma das Mulheres Mais Influentes nas áreas de Marketing e Publicidade pela Forbes. Isso me deixa muito feliz. É gratificante saber que minha contribuição pra indústria da comunicação foi reconhecida por um veículo dessa importância.
E isso abre espaço pra outras criativas. Acredito que o trabalho desenvolvido ao longo da minha trajetória, em especial na McCann, tenha colaborado.
Em relação ao Círculo de Criativas Brasil, o convite me chegou através do Chile, no ano passado. Estavam começando a se organizar e convidar outros países da América Latina. O curioso é que em pouco mais de 6 meses a coisa cresceu exponencialmente.
Hoje, o Círculo de Criativas Latam, marca-mãe, reúne 16 países: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico e Uruguai.
Nosso objetivo é um só: fortalecer o trabalho das mulheres criativas ligadas à indústria da comunicação, pois ainda há um desequilíbrio grande em relação aos homens: níveis salariais desiguais, poucas promoções e contratações para cargos de gestão, pequena presença em júris nacionais e internacionais. Acredito até que na América Latina isso seja ainda pior do que aqui.
Quando recebi o convite, fiquei indecisa se iria conseguir conciliar minha agenda na agência com esse trabalho tão relevante.
Mas entendi que, como uma das poucas mulheres criativas que chegaram ao mais alto cargo de gestão – a presidência de uma grande multinacional como a McCann, eu devia isso para as criativas.
Aceitei a responsabilidade, porque acho que minha experiência pode ajudar a impulsionar esse movimento ainda mais. Tenho muito pra agregar e quero fazer isso. Muitas mulheres dizem que vêem em mim um exemplo real, a prova de que é possível, sim, pra uma criativa assumir responsabilidades maiores e ocupar uma cadeira que frequentemente só os homens ocupam.
Por isso, o Círculo está aberto para todas as criativas redatoras e diretoras de arte de agências on e off, diretoras de cinema, fotógrafas, designers, ilustradoras, criativas ligadas à area de produção e áudio. Não importa a idade, a etnia ou a orientação sexual.
Quem quiser se juntar a nós nesse movimento será muito bem-vinda!
4. Da MPM até a Nova/SB foi uma grande trajetória na propaganda brasileira. Qual aprendizado você teve ao longo da carreira e que é válido passar para quem acompanha o blog?
Olha, não é nenhum diagrama moderninho ou livro de auto-ajuda, mas tem palavras das quais não dá pra fugir: foco, disciplina, informação, dedicação, humildade pra aprender e se reciclar, flexibilidade pra lidar com as dificuldades com inteligência espiritual, que é um passo bem além da inteligência emocional.
Talento hoje não sobrevive sem sensibilidade, respeito, fé e altruísmo.
Construa um propósito que vá além da sua conta bancária e de algumas estatuazinhas na prateleira.
Publicidade e marketing tem função social, sim. Seja generoso, seja grato, e procure usar o que sabe pra compartilhar e transformar o planeta.
5. Como se manter tanto tempo na liderança de grandes agências, como McCann, Ogilvy e Nova/SB, sempre atualizada e criativa?
Valorizando o que eu sei e o que eu não sei. Ambas as premissas são igualmente importantes.
O que eu sei me dá segurança pra seguir. O que eu não sei me obriga a aprender. E uma coisa alimenta a outra.
6. O que realmente importa na hora de avaliar a pasta de um candidato a estágio?
Criação é um diamante que precisa ser burilado. Ver um portfolio, pra mim, é ficar sempre procurando Wally. Buscando aquela veia criativa que se esconde num trabalho ainda pouco maduro, mas que já revela o criativo maravilhoso de amanhã.
Eu, que gosto de formar gente, adoro fazer isso.
Só tem uma coisa. É preciso dominar o básico.
Tenho visto muitos aspirantes a redator, por exemplo, cometendo erros gramaticais gravíssimos. Gente que não conhece concordância, não consegue passar de uma frase de efeito e desenvolver um texto com começo, meio e fim. Parece óbvio, mas não é. Outro dia vi o post de uma agência numa rede social buscando redator. Entre as qualificações estavam duas frases que me chamaram a atenção e confirmaram minha percepção: “conhecimento da língua portuguesa” e “saber escrever textos mais longos”.
É o mesmo que procurar um dentista que saiba fazer uma extração de dentes kkk.
7. Cite três trabalhos, seus ou de colegas, que considera importante para o pessoal que acompanha o blog pesquisar, ver e aprender.
Dos meus trabalhos, citaria a campanha de lançamento mundial do Conceito Beleza Real pra Dove, que fizemos na Ogilvy.
Pra criar esse novo caminho, trabalhamos meses juntando 4 escritórios: Nova York, Brasil, Canadá e Londres.
Outra campanha que adorei fazer foi pra Alumni, quando estava na Colucci. Aqui eram filmes super engraçados, com pessoas falando um português tosco, cheio de erros gramaticais graves, falta de concordância, trocando palavras parecidas e que mudavam totalmente o significado da frase. Ao final, um locutor off dizia algo assim: – Você não percebe, mas pode estar falando inglês assim. Faça Alumni.
Ou seja, a gente fazia o cara perceber o vexame que é falar errado ao perceber os erros na sua própria língua.
E, por último, a campanha que fizemos na McCann pra Mastercard, pra mostrar que o cartão era aceito de norte a sul do país.
Colocamos um cara sem lenço e sem documento no norte do Brasil. Tudo o que ele tinha era um cartão Mastercard pra se virar. Desde a compra de roupas e alimentos, até passagens pra viajar de lá e ir descendo até Porto Alegre, no sul do país. Foram 4 meses de campanha com o sujeito viajando o Brasil inteiro e só usando o cartão.
Outros trabalhos memoráveis, de colegas:
Havaianas é um clássico, todo o conjunto da obra-de-arte da Almap.
Dove – a campanha criada pelo Hugo Veiga na Ogilvy e que ganhou ziguilhões de Grand Prix em Cannes é um primor absoluto.
Goleiro Distraído pra Uber, que mostra o goleiro do Atlético usando o celular no meio da partida. É uma ideia muuuito boa!
8. Se você estivesse começando na profissão hoje, o que perguntaria para Adriana Cury, VP de Criação da Nova/SB, e qual seria sua resposta?
Tem uma pergunta que eu me faço todos dias: “Vê se não esquece, heim?”
A resposta diz tudo:
A vida é uma imensa roda gigante. Um dia você está lá em cima, no outro pode estar lá embaixo.
Atenção pra impermanência.
Se estiver em cima, cuidado. Ego é bom até o capítulo em que não deixa você perder a auto-estima. Depois disso, vira arrogância, soberba e um dia pode te levar pra baixo.
Se estiver embaixo, não desista. Seja humilde pra reconhecer as fraquezas, grande pra aprender e forte pra subir de novo, transformado.
Se fizer isso, o resto você consegue fácil.
Adriana Cury
VP de criação da nova/sb