Pessoal, esse texto conta a história de “Real Beauty Sketches” e foi retirado do site da Revista Época Negócios. Estou publicando na íntegra. Vale a leitura.
Depois de “Real Beauty Sketches”, para Dove, tornar-se este ano o trabalho mais premiado da história do Festival de Cannes – o CannesLions – com 19 leões (10 ouros, 3 pratas, 5 bronzes e o GP de Titanium), o criativo Anselmo Ramos – que comanda a criação das agências Ogilvy Brasil e David – passou a receber diversas encomendas de um “novo Sketches”.
“Nos últimos meses, em toda reunião que eu vou, ouço: ‘me dá um Sketches’.”, conta.
Todo mundo quer um Sketches para sua marca. Mas nem sempre se tem uma marca que possibilita a criação de um. Na última quinta-feira, Anselmo esteve na Casa do Saber, no Rio de Janeiro (foto), para contar a história de Sketches.
O encontro fez parte de uma série de palestras promovidas pela “Casa”, que tem como objetivo falar do futuro da publicidade e do próprio CannesLions.
“Quando uma coisa dá certo, o problema é que todos querem imitar. Na realidade, o segredo para fazer algo bom e inovador é esquecer o que foi feito. Não fazer nada que se aproxime de Sketches. Já foi, já é passado. Nenhuma imitação funcionará”, destaca o criativo.
Sketches entrou para o nobre hall de ganhadores de Titanium – ao lado da campanha do Obama, em 2009…
e Nike Fuel em 2012…
Para organizar a história do trabalho, Anselmo criou 11 passos, que ele diz que devem ser seguidos à risca e brinca que servem de uma espécie de guia para se construir um trabalho vencedor. Vamos a eles, comentados pelo criativo:
1. Acreditar
Anselmo reconhece o lado “brega” de mencionar o livro “O Segredo” e recomendar sua leitura como parte do processo de exercitar a crença no que se quer como uma maneira de consegui-la.
“É meio brega isso, mas é preciso acreditar. Demorou seis anos para chegarmos aqui. Quando entrei na Ogilvy me lembro de estar na criação e dizer ‘eu sei que somos ruins, mas um dia seremos bons. Um dia ganharemos leão em Cannes. Um dia ganharemos GP em Cannes.’ Se você não acredita que é possível, quem vai acreditar? O universo é burro, então você tem que emitir sinais bons para ele, para que ele o coloque na frequência certa, em direção ao que se quer.”
2. Faça o melhor trabalho para o job que está na mesa hoje.
“Este é o briefing mais importante que você tem. Foque nele. Tudo na vida é consequência. Uma coisa leva a outra. O Titanium aconteceu depois de seis anos, depois de 37 leões que conquistamos para clientes como Burguer King, Hellmann’s, Coca-Cola, Forbes, Sprite. Inclusive o GP de Titanium tem a ver com o leão de ouro que conquistamos para Hellmann’s, que é Unilever, do mesmo grupo. Os clientes da marca Dove pensaram ‘esses caras devem ser bons.’ O cliente de Dove me encontrou numa festa em Cannes no ano passado, quando comemorava os meus leões, e se apresentou: sou o cliente global de Dove e tenho um briefing pra você.“
3. É preciso alinhar sua ambição com a do cliente.
“Isso é muito importante, porque muitas vezes você está com a ambição lá em cima e o cliente quer um trabalho feijão com arroz. Se cliente e agência não estiverem alinhados em relação ao tipo de ideia que se quer, complica. O cliente de Unilever que me encontrou em Cannes me convidou, em outubro de 2012, para ir a Londres dizer para cerca de 100 pessoas da empresa, a minha opinião sobre a marca Dove. Perguntei se eu podia dizer o que eu realmente achava. Ele disse que sim. E assim foi. Fiz uma palestra de duas horas e, entre outras coisas, disse que o último trabalho icônico que eles haviam feito era Dove Evolution, em 2007. Perguntei: o que vocês estão, afinal de contas, fazendo com essa marca? Mostrei para eles dois slides. Ambos continham grupos de marcas, e perguntei a qual dos dois eles achavam que Dove deveria pertencer: se no das marcas da categoria cosméticos – Nivea, Rexona – ou de marcas como Coca-Cola, Google, Nike – ganhadoras de Grand Prix. Naturalmente eles já pertenciam ao primeiro grupo. Mas a cabeça, o mindset, deveria estar no segundo. Eu disse a eles que a marca Dove tem o poder de tornar qualquer ideia, melhor. Algumas marcas têm esse poder: elas elevam a ideia.“
4. Peça o briefing em uma linha.
“O briefing é fundamental para um trabalho. A agência tem que pedir o briefing em uma linha. No nosso caso, demos sorte: os clientes eram bons e o briefing veio, efetivamente, em um linha. Somente uma coisa deve ser comunicada. Qual a mensagem principal que precisa ser comunicada? Sem isso, é complicado. É claro que há informação de background que ajudará a criar. Mas o que se precisa dizer, é na verdade resumível em uma linha.”
Veja o briefing de Dove:
“Dove queria falar com a mulher, e fazer com que percebesse que é ela a sua principal inimiga.”
5. Tenha só um cliente dono da ideia. No máximo dois.
“O que acontece muitas vezes no cliente é que cinco, seis, sete pessoas trabalham em uma ideia e não se sabe mais quem manda, quem aprova. No caso de Dove, havia dois clientes envolvidos durante todo o processo: o brasileiro Fernando Machado e o inglês Steve Miles. E acabou. É claro que havia mais pessoas envolvidas no trabalho, mas nós só falamos com os dois. Isso é fundamental e é preciso exigir saber quem é o ‘dono da ideia’.”
6. Coloque a criação inteira para pensar e veja literalmente centenas de ideias.
“Foi o que fizemos com Dove. E fazemos muito isso na Ogilvy, abrimos o briefing para toda a criação, somos super democráticos. Algumas agências têm duplas que são estrelas e outras que tocam o dia-a-dia. Na Ogilvy não, todo mundo toca o dia a dia. Todo mundo pode ser estrela. O briefing foi aberto e 115 criativos pensaram nele. E estou contando, claro, todas as empresas do grupo – Ogilvy São Paulo, Ogilvy Rio, Ogilvy Action, Ogilvy One. Abrimos. Dá um trabalho enorme. Vimos tudo durante dois meses.”
7. Apresente algo que você não sabe se vai dar certo.
“A ideia foi crescendo, não nasceu como foi realizada. Nossa apresentação para o cliente teve três ideias. E a que saiu do papel nem foi a que ele gostou mais. Sketches – que originalmente foi chamado de ‘you by you e you by anonymous – foi apresentado como ‘um experimento que prova que as mulheres são mais bonitas do que elas acham’. A ideia era que elas se descrevessem em detalhes e que estranhos as descrevessem também. A dupla criadora – o redator Hugo Veiga e o diretor de arte Diego Machado – encarregou-se de encontrar um desenhista do FBI para tornar isso possível. Dissemos para o cliente que como as mulheres se acham menos bonitas do que realmente são, achavamos que o desenho da esquerda (descrito pelos estranhos) seria mais bonito que o da direita. O cliente perguntou: você tem certeza? Eu eu disse: não. Não garanto nada. O cliente ficou inseguro, foi uma ideia. Uma aposta. Nunca houve roteiro, storyboard ou pesquisa. Mérito do cliente porque apostou, sabia que poderia não dar certo, mas topou arriscar.”
8. Encontre a melhor produtora possível.
“Fomos atrás da melhor produtora possível. Sempre tentamos encontrar o melhor diretor para a ideia, independente de limites geográficos, dinheiro, relacionamentos. Chegamos no John Carey, da Paranoid de Los Angeles. Ele é jovem, não tinha “estourado ainda”. É um documentarista. Foi uma aposta nossa também. Ele escreveu sua visão do projeto – o seu “treatment”, digamos assim. Um documento de 20 páginas. Nosso mindset era: vamos produzir isso da melhor maneira possível.”
9. Entenda que a criação é apenas uma parte do processo.
“O Brasil tem mania de achar que criação é a solução de todos os males. Os criativos brasileiros são muito bons, mas se dão importância maior do que a realidade. A Unilever abraçou a ideia de um jeito que nunca vi antes, e além dela foram responsáveis pelo sucesso a Paranoid, o John Carey, a Rock Paper Scissors (uma casa especializada em edição em Los Angeles), a Lime (que fez a música), a Company3 (de coloristas), a Edelman (que fez o trabalho de PR para ajudar a ‘bombar’ a ideia) e a PHD (empresa de mídia que fez o digital seeding no mundo inteiro). Sem todos eles ideia não teria acontecido do jeito que aconteceu. Foi um trabalho colaborativo de muitas empresas. O Brasil ainda permanece mais no triângulo cliente-agência-produtora. Falta ter mais cuidado com o editor, com o colorista, com o cara da música. Com os detalhes.”
10. Prepare-se para o sucesso.
“É muito importante, porque em geral não fazemos isso. Quando a ideia começou a dar certo, a verba do cliente de repente multiplicou-se por 10. Eles perceberam que havia algo especial acontecendo. E investiram mais. O cliente montou um ‘QG’ de Dove Real Beauty Sketches dentro da Unilever, em Londres. Nunca vi um cliente fazer isso. Havia monitoramento permanente da campanha. Uma equipe de cinco pessoas só fazia isso, em turnos. Inclusive à noite. O head global de Dove convocou a Unilever inteira a capitalizar a ‘oportunidade rara’ que estavam tendo. Mandou um e-mail global, o que nos ajudou muito. Em pouco tempo, traduziram a campanha para 30 idiomas. Quantas vezes ouvi de clientes que o casting tem que ser local? Bullshit. Nosso vídeo era em inglês, com americanos. Mas o insight era humano. Legendado, funciona em qualquer lugar. O cliente investiu em espalhar a ideia, para não deixar que ela fosse uma catedral no meio do deserto.”
11. Diga adeus aos seus criativos.
A dupla Hugo Veiga e Diego Machado já está na AKQA de Londres. Eles receberam propostas até do Google e da Apple. O Diego tem 26 anos e saiu da Miami Ad School – nunca havia trabalhado em nenhuma agência até ir para a Ogilvy. Em três anos, ele tem Real Beauty Sketches no portfolio. Já o Hugo é português e a primeira vez que o entrevistei, ele estava na McCann. Olhei sua pasta e achei muito ruim. Mas gostei dele, o achei legal, engraçado. O mandei voltar em seis meses. Ele voltou e a pasta continuava ruim. Na terceira entrevista, nada. Ele pediu que eu o contratasse e contratei a pessoa. Em quatro anos, ele mudou completamente seu portfolio. Agências do mundo inteiro ligaram para eles – Droga5, RGA, 72nd andSunny, Pereira O’Dell. Isso tudo por causa de uma ideia. Há três anos, Diego nunca havia trabalhado em uma agência. Para mim, ninguém ligou. Em compensação, vários clientes ligaram.”
Fonte: Época Negócios
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